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Publications > Ateliês do Rio de
Janeiro

Rio de Janeiro, 2006

Marc Pottier has been curating many exhibitions including Brazilian artists (see section: Exhibitions). He has spent four years in Rio de Janeiro as Cultural Attaché of the French Consulate and has been very close to many artists. That is why he has been invited to write the introduction of this book concerning artists' studios in Rio de Janeiro.

Os Artistas em seus Ateliês no Rio de Janeiro

"Existem muitos livros sobre o Rio de Janeiro. Alguns se dedicam a mostrar o lado "arqueologico" de uma das mais belas cidades do mundo. Outros bajulam o olhar do turista, vendendo paisagens e praias sem igual sob um por-do-sol dos mais emocionantes. Encarar apenas esses aspectos seria esquecer um outro lado do Rio que sempre esteve inscrito nos movimentos contemporâneos. Algumas monografias de artistas, por enquanto raras e dirigidas predominantemente a uns poucos amantes das artes, entreabriram, recentemente, uma porta sobre a criação contemporanea brasileira. Fazia-se necessario um livro voltado para o "grande publico", mas que pudesse tambem interessar aos especialistas, efetuando um levantamento sobre este que é um dos cenarios artistícos mais brilhantes do mundo.

 

A ênfase dessa ultima frase pode parecer exagerada, mas as palavras foram bem calculadas. O autor destas poucas linhas, europeu de nascimento (dos rincões da Franca), já teve a oportunidade de poder trabalhar não só em Paris como tambem no Japão (Tóquio e Nagoia) e nos Estados Unidos (Nova lorque), tendo organizado exposicões em San Diego, Los Angeles, São Francisco e Seattle, e também em Veneza, na Itália. Essas experiências Ihe deram uma visão internacional, evidentemente imperfeita, mas suficiente para Ihe permitir afirmar que, antes de descobrir o cenário artístico carioca, nunca havia encontrado um viveiro de talentos parecido, reunido em uma única cidade.

A California (na verdade o mais coerente seria se falar da Costa Oeste americana) pode ser comparável. Mas seria um estado (ou estados), e não apenas uma única cidade. Existe uma pulverização dos artistas, que vivem espalhados por diversos lugares ou mesmo partiram de lá: James Turrell, Bill Viola, Chris Burden, Paul McCarthy, Bruce Nauman, Charles Ray e Richard Serra, para citar apenas alguns dos nomes mais conhecidos. Não existe, portanto, uma concentração extraordinária de artistas de primeiro time, como a que encontramos no Rio de Janeiro.

Nova lorque? Capital do mundo? Abro aqui um parenteses para lembrar a resposta do prefeito de Roma a Rudolf Giuliani, prefeito de Nova lorque, durante uma reunião de prefeitos das principais cidades: « Nova lorque é sem dúvida a capital do mundo, mas eu sou o prefeito da Cidade Eterna! » Excluindo-se alguns grandes nomes, de certa forma já históricos, como Rauschenberg e Joseph Kosuth, as visitas aos ateliês são, na maioria das vezes, bastante decepcionantes. Muitos dos artistas não term uma bagagem cultural suficientemente sólida para Ihes dar o recuo necessário. Sua arte é geralmente datada e por demais influenciada pelo ambiente ao seu redor. Acredito que, graças a ela, os etnologos de geracões futuras não terão muita dificuldade em delinear uma paisagem completa da sexualidade e de todos os seus desvios na ultima parte do século XX! Não pretendo com estas observacões fazer uma analise da cena artística de Nova lorque; gostaria apenas de tentar desmistificar uma cidade imbatível em seu dinamismo, mas onde, a nosso ver, a cena artistica em termos de artes plásticas já não é mais a melhor do mundo. Isto sem mencionar que muitos artistas apenas passam por Nova lorque, onde vivem momentos trepidantes e, depois de algum tempo, sentem-se sugados e com necessidade de voltar as suas origens, deixando para trás uma cidade que pode ser por demais carreirista.

Paris? Paris capital das artes? Nunca seria demais destacar a importância histórica de Paris como pólo de atração dos maiores artistas internacionais. Porém nenhum lugar pode deter o monopolio da criação apenas por herança: isto seria esquecer que a cada geração deve haver urn recomeço. Após alguns anos que podem ser descritos como de recuo, Paris vive hoje um processo de renovação muito interessante e, sem dúvida, mereceria um projeto de livro similar a este. Seria interessante ver os ateliês de Marie-Ange Guilleminot, Fabrice Hybert, Pierre Huyghe, Dominique Gonzalez-Foerster, Xavier Veilhan, Jean-Marc Bustamente e outros, sem mencionar muitos outros artistas fabulosos. A maior diferenca entre Paris e o Rio é a tradição francesa de acolher artistas de origem estrangeira. A Escola de Paris, já na primeira parte do seculo XX, era um exempio perfeito. Hoje, um artista estrangeiro, depois de passar cinco anos consecutivos na França, se beneficia de todos os direitos e vantagens de um artista nascido lá: bolsas de estudo, residencias de artistas, etc. Isto sem duvida contribuiu para atrair artistas de talento como Chen Zhen, Malaki Farrell e Anri Sala (que será um dos representantes da França na Bienal de São Paulo de 2002), entre outros, exemplos vivos dessa politica.

Londres? A famosa escola de Londres? Talvez fosse melhor passar rápidamente por esta pseudocriatividade montada inteiramente por um punhado de pessoas muito hábeis que souberam manipular o mercado das artes de modo a projetar muito rapidamente certos artistas ingleses, dando-lhes uma visibilidade exagerada. A situação atual nos deixa saudosos da poesia da geração do Land Art ou do trabalho de grandes artistas, tais como Francis Bacon. Sem dúvida Londres se apresenta como um prato que pode ser escolhido, porém mais parecido com um sufle que pode murchar mais cedo do que se espera. O mesmo pode ser dito em relação ao movimento da transvanguarda que aconteceu na Itália e desapareceu sem deixar vestígios.

O leitor já deve ter compreendido que, em tão poucas linhas, se pode apenas esboçar uma caricatura, sendo o objetivo dar início aqui a um debate mais profundo. A idéia foi tentar levantar alguns pontos que pudessem localizar dentro do contexto mundial a cena artística do Rio de Janeiro, obtendo assim alguns elementos de comparação. Com relação ao título deste livro, afastamos voluntariamente qualquer comentário sobre outras cidades brasileiras, que mereceriam tratamentos diferenciados.

O Rio de Janeiro, como dissemos anteriormente, é um dos cenários artísticos mais brilhantes do mundo. Quando falamos de um viveiro, queremos ressaltar a ideia de vida e abundância. Dentro de um viveiro existem familias que se reproduzem. Desta forma, alguns "precursores" criaram uma especie de genealogia. Pensamos de modo especial em Helio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. Seus "filhos naturals" fizeram eles mesmos "escola". Citaria Tunga, Cildo Mereiles e Artur Barrio, que nos levam a considerar o trabalho de, por exempio, Jose Damasceno, Cabelo e Ernesto Neto. É um fenomeno que, em nossa opinião, se tornou suficientemente excepcional para merecer uma menção.
A maior parte dos artistas abordados neste livro faz parte do cenario artistico mundial e está representada nas grandes galerias internacionais (Antonio Dias, Cildo Meireles, Waltercio Caldas, Tunga, Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Ernesto Neto, Rubens Gerchman, Daniel Senise). Eles estão também presentes nas grandes manifestacões como as bienais de arte, a Documenta, as feiras, (Tunga, Waltercio Caldas, Cildo Meireles, Ernesto Neto, Cabelo) ou nelas estarão em breve: é o caso de José Damasceno, que irá expor na abertura do futuro Palais de Tokyo de Paris.

A "excepcionalidade" desses artistas pode ser definida por dois pontos: o primeiro é a grande bagagem cultural de todos eles. Os artistas cariocas possuem muitas vezes outros centros de interesse além da arte. Vários se interessam pela literatura, pela música, pela matemática; caracteristicas que embasam ainda mais o seu trabalho. Não raro falam varias linguas. São dados que mostram uma abertura de espirito que é excepcional e que nem sempre se encontra em outros cenários artisticos.

O segundo ponto é a postura que, de modo geral, eles tem diante de suas carreiras, numa nocão equilibrada do tempo. Eles estão bem em seus mundos. Sem rejeitar as propostas que chegam a eles, e que aceitam de bom grado, não perdem o foco de seu trabalho procurando participar de exposições. Não existe uma busca desenfreada por uma carreira. É uma vida passada a service da arte.

É por tudo isso que a chance de visitar, através deste livro, os ateliês dos artistas do Rio de Janeiro é uma experiência única.

Marc Pottier

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